“Britânicos dão o primeiro passo para legalizar casamento gay
A Inglaterra abriu caminho ontem para legalizar o casamento de pessoas do mesmo sexo. O projeto do governo David Cameron foi aprovado com ampla maioria em seu primeiro teste na Câmara dos Comuns: 400 votos a 175.
A proposta dividiu o Partido Conservador do primeiro-ministro, que sofreu duras críticas de aliados tradicionalistas e da Igreja Anglicana. Ele não participou do debate no Parlamento para tentar esfriar a crise na legenda.
O texto ainda pode sofrer mudanças e terá que passar por outra votação. Ele só vai virar lei se também for aprovado na Câmara dos Lordes.
Mesmo assim, a votação de ontem foi considerada histórica por representantes do governo e da oposição, por ativistas do movimento gay e pela imprensa britânica”
Há uma diferença importante entre o título e a primeira sentença do primeiro parágrafo: o título se refere à Grã-Bretanha e o primeiro parágrafo à Inglaterra. São coisas diferentes.
A Grã-Bretanha é composta de três países: Inglaterra, País de Gales e Escócia. Já o Reino Unido é composto por esses três países além da Irlanda do Norte.
Por razões históricas e políticas, o parlamento britânico - Westminster - produz leis que se aplicam nos quatro países. Mas nos últimos 15 anos, os parlamentos locais (Escócia e Irlanda do Norte, principalmente) passaram a ter o que se chama de devolved power, o poder de legislar sobre alguns assuntos. O casamento é um deles. Ou seja, o projeto de lei ao qual a matéria se refere se aplica ao País de Gales e à Inglaterra, apenas. Se for necessário aplicá-lo na Escócia e na Irlanda do Norte, o governo central (Londres) terá que negociar com os dois parlamentos locais para que eles façam leis a respeito.
Há um detalhe muito interessante aqui: as duas câmaras (comuns e lordes) de Westminster são compostas por parlamentares dos quatro países e os parlamentares dos quatro países votam em leis cuja aplicação recai apenas sobre a Inglaterra e o País de Gales. Mas o contrário não é verdade: os parlamentos locais da Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales é composto apenas por pessoas que residem naqueles países.
O título também diz que esse foi o primeiro passo. Na verdade, foi o terceiro passo. Dê uma olhada na página do Parlamento, por exemplo:
Depois disso, no terceiro passo, o projeto é apresentado para um second reading, que foi o que aconteceu ontem no projeto sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo. Esse é um debate sobre os princípios por trás do projeto. Essa é a votação mais importante: se o projeto for aprovado nessa votação, ele quase certamente será aprovado mais tarde. É por isso que a votação de ontem foi tão importante. Nessa segunda votação, o projeto não está pronto e acabado, mas os princípios por trás dele estão claros. Se os princípios estão claros, o resto se torna apenas um ajuste fino.
Mas a aprovação nessa segunda sessão não é o fim do processo legislativo. O projeto passa em seguida para o Comitê de Projetos Governamentais (Public Bill Committee), que é quem de fato redige e vota cada artigo do projeto de lei, baseado nos princípios aprovados na segunda leitura. Terminado o projeto, o Comitê o envia de volta à Câmara dos Comuns no que é chamado report stage, que é uma última chance de se modificar o projeto (mas não os princípios por trás do projeto). Finalmente o projeto vai para a terceira votação (third reading), que é apenas uma formalidade: os projetos são sempre aprovados nesse estágio.
Mas a jornada não termina aí. Feito tudo isso, o projeto é enviado para a outra casa (normalmente, a casa dos Lordes), onde ele passa por uma tramitação muito parecida. Mas, ao contrário do que acontece no Brasil e do que o nome indica, a casa dos Lordes é menos importante do que a Câmara dos Comuns: se as duas casas não conseguirem chegar a um acordo sobre o texto do projeto, a vontade da Câmara dos Comuns prevalece. Por isso, ao contrário do que diz o texto, ele não "só vira lei se for aprovado pela Câmara dos Lordes". A lei que proíbe a caça à raposa, por exemplo, nunca foi aprovada pela Câmara dos Lordes. Como as duas casas não conseguiram entrar em um acordo, prevaleceu a Câmara dos Comuns.